O recommerce como vantagem competitiva da moda brasileira
Você sabia que o mercado de segunda mão cresce, em média, 20% ao ano? Durante muito tempo, esse movimento foi visto como uma curiosidade de consumo ou um desdobramento natural da crise climática. Mas os números mostram outra coisa: não estamos diante de um comportamento isolado, e sim de uma transformação estrutural. Agora imagine se essa curva não estivesse acontecendo em outro marketplace, mas dentro do ecossistema da sua própria marca.
Enquanto o varejo tradicional oscila, o recommerce se firma como a nova fronteira de crescimento da moda. Não como tendência ou pauta de sustentabilidade, mas como um modelo de negócio que redefine o que significa vender bem. No segundo ciclo de vida do produto, a marca não apenas prolonga valor, ela cria receita, fidelização e propósito de forma integrada.
De modismo a modelo de negócio
O mercado global de revenda deve atingir US$ 290 bilhões até 2030, segundo a MarkNtel Advisors (2024). O Apparel Recommerce Market, especificamente no segmento de moda, avança ainda mais rápido, com projeção de crescimento anual de 24,6% na próxima década, de acordo com a Future Market Insights (2024). Trata-se de um setor que deixou de orbitar tendências para se consolidar como lógica econômica.
No Brasil, o comportamento segue o mesmo ritmo. Estudos do Boston Consulting Group mostram que o consumo de segunda mão cresce entre 15% e 20% ao ano, revelando que 70% dos compradores de peças usadas são novos clientes para a marca original. É um dado que muda o jogo: existe demanda, existe público e ele já está consumindo você, mesmo fora do seu alcance direto.
Projeções adicionais da Mobility Foresights (2025) apontam que o mercado brasileiro de vestuário usado deve saltar de US$ 5,2 bilhões em 2025 para US$ 17,9 bilhões em 2031. Um avanço médio de 22,8% ao ano em um segmento que captura valor justamente onde o varejo tradicional enfrenta limites de expansão.
Por que o recommerce é inevitável
Toda marca chega ao mesmo dilema: como crescer em um mercado saturado sem depender de mais produção? O recommerce responde com uma lógica de eficiência. Monetizar o que já existe passa a ser tão estratégico quanto lançar algo novo. A partir do momento em que a revenda acontece dentro do ecossistema oficial, a marca recupera margem, reativa clientes inativos, fortalece vínculo e amplia tráfego qualificado, tudo isso sem canibalizar canais tradicionais.
É o pós-venda convertido em aquisição. É o estoque parado transformado em receita. É a fidelização acontecendo como consequência natural, e não como promessa de campanha. O impacto deixa de ser apenas operacional e passa a ser estrutural, com efeitos diretos sobre lifetime value, fluxo de caixa e percepção de marca.
Um mesmo produto, duas margens
Com o modelo certo, o cliente vende, recebe crédito em loja e recompra. O ciclo se retroalimenta de forma orgânica. Estudos mostram que reativar apenas 5% do portfólio anual por meio do recommerce pode gerar entre 10% e 20% de receita incremental, com baixo custo marginal. Na prática, o pós-venda passa a funcionar como um motor financeiro e de relacionamento, um ativo vivo da marca.
A revenda oficial amplia a vida útil do produto e reafirma sua qualidade. Quando uma peça circula novamente, ela não apenas preserva valor: ela cria valor. O capital simbólico e o capital financeiro se combinam, e a revenda passa a ser uma fonte real de liquidez para a operação.

Do discurso ESG à vantagem competitiva
Durante anos, sustentabilidade foi tratada como pauta reputacional. Hoje, ela é parte do core estratégico. Dados do Ellen MacArthur Foundation (2023) mostram que estender o ciclo de vida útil de uma peça em apenas nove meses reduz em até 30% sua pegada de carbono, água e resíduos.
Mas o recommerce avança além da métrica ambiental: ele reinverte o fluxo de valor. Em vez de dispersar capital para terceiros, a marca mantém dentro de casa o ciclo econômico e simbólico das peças que ela mesma criou. É circularidade orientada a resultado. É tecnologia a serviço de um propósito que gera margem.
Quem define o ciclo, define o futuro
O recommerce já existe. A diferença está em quem controla essa experiência. Sem um canal oficial, as peças da marca continuam circulando, mas sem dados, sem governança e sem narrativa. O valor se perde no meio do caminho.
Com um ecossistema próprio, cada revenda se torna um ponto de contato. Cada peça se converte em ativo. Cada cliente passa a ser parceiro de marca. Assumir o recommerce é recuperar protagonismo sobre o ciclo de vida do produto, com a mesma estética, experiência e consistência que a marca já domina na primeira venda.
No fim, o valor não termina quando chega ao checkout. Ele continua circulando, ampliando margem, fidelizando clientes e redefinindo o que a moda brasileira entende como crescimento.
Com a cercle, o ciclo continua dentro da sua marca. E é isso que transforma recommerce em vantagem competitiva.
Fontes:
- MarkNtel Advisors (2024) – Global Recommerce Market Research Report
- Future Market Insights (2024) – Apparel Recommerce Market Outlook
- Boston Consulting Group + Enjoei (2023) – The Rediscovery of Second-Hand Fashion in Brazil
- Mobility Foresights (2025) – Brazil Second-Hand Apparel Market Report
- Ellen MacArthur Foundation (2023) – Circular Fashion Report